Paleobotânica

Siluriano até o Permiano

Amostras de Paleobotânica do Acervo
O processo de terrestrialização e diversificação das plantas

Um dos mais significativos eventos da história evolutiva da Terra foi o surgimento das primeiras plantas terrestres, com ancestralidade ligada às algas verdes da Divisão Chlorophyta. O exame microscópico de rochas sedimentares indica que a transição da vida marinha para a terrestre iniciou-se no final do Ordoviciano, por volta de 440 Ma, com o surgimento de plantas primitivas dotadas de esporos revestidos de carapaças orgânicas altamente resistentes à atmosfera oxidante e por uma película orgânica (cutina) para evitar dissecação. Essa informação é baseada no registro micropaleontológico de sedimentos oceânicos embora não tenhamos macrofósseis ordovicianos, pois os primeiros fósseis das partes vegetativas dessas plantas são do Siluriano, como veremos a seguir.

Riniófitas

A partir do Siluriano, por volta de 425 Ma, com o surgimento dos primeiros macrofósseis vegetais terrestres no Registro Fóssil, as fases iniciais da evolução das plantas tornam-se conhecidas e mostram a presença de tecidos vasculares em plantas parecidas com musgos, além de outras plantas ainda mais primitivas e desprovidas de tecidos de transporte de água e solutos. A primeira planta vascular (com xilema e floema) a surgir no Registro Fóssil pertence ao gênero Cooksonia, composto de plantas pequenas, de poucos centímetros de comprimento, constituídas por um caule prostrado, desprovidos de folhas, ramificados dicotomicamente e com estruturas reprodutivas denominadas de esporângios, onde eram produzidos esporos. Essas plantas possuíam alternância de gerações, com o desenvolvimento de plantas produtoras de gametas (gametófitos) a partir da germinação de esporos haploides (n) e finalmente de plantas esporófitas, produtoras de esporos e portanto, diploides, ou seja, portadoras da carga genômica completa do táxon (2n). Observe na Fig.13.1. vários aspectos morfológicos e anatômicos de uma riniófita muito importante, classificada como Aglaophyton major. Em especial note a presença dos tecidos que formam o feixe vascular. No centro do caule, as células mais escurecidas (mais lignificadas) formam o xilema e as mais claras em seu redor formam o floema. O primeiro é responsável pelo transporte da água e minerais nela dissolvidos enquanto que o segundo distribui os produtos da fotossíntese a todo organismo.

Figura 13.1. A riniófita Aglaophyton major, Devoniano da Escócia. Observe em A-C geração dominante (esporófito diploide, 2n), caracterizado por eixos prostrados e eixos eretos desprovidos de folhas, com ramificação dicotômica e esporângios terminais (local de produção de esporos) indicados por C. Em B e C observe a simplicidade do eixo em corte transversal. A planta gametófita (produtora de gametas) é ilustrada em D. Em E observe o caule em corte transversal, com destaque ao feixe vascular composto de xilema (mais interior) e floema (mais exterior). O parênquima, que envolve o feixe vascular, é um tecido de suporte assim como de acúmulo de substâncias.

Esta primeira flora terrestre com as primeiras plantas terrestres, vasculares e avasculares, recebeu o nome de Rhyniophyta, ou Flora de Rhynie, em homenagem à localidade de Rhynie, na Escócia, onde foram encontrados fósseis tridimensionais de idade eodevoniana, permineralizados por sílica (sílex) que lhes conferiu preservação extraordinária (fósseis Lagersttaten). O Sílex de Rhynie teve papel fundamental para o entendimento dos processos evolutivos vegetais na mesma proporção que a Fauna de Burgess e Ediacara tiveram para os animais. Dentro os diferentes táxons presentes na Flora de Rhynie estão os ancestrais das licófitas, que mais tarde desempenhariam papel fundamental nas florestas tropicais maciças do Carbonífero, que por sua vez se transformariam na biomassa que eventualmente passaria pelo longo processo de carbonificação. Essa é a origem das grandes reservas de carvão, petróleo e gás natural do hemisfério norte.

As plantas primitivas de Rhynie mostram que o processo de terrestrialização só pode proceder com o surgimento de novidades evolutivas que solucionaram problemas encontrados no ambiente terrestre tais como: a) raízes primitivas (rizoides) para fixação e absorção de água e nutrientes do substrato; b) tecidos vasculares (xilema e floema) simples para transporte da água e solutos a todas as partes da planta; c) tecidos de sustentação lignificados; d) substâncias orgânicas resistentes para revestimento das partes aéreas e das estruturas reprodutivas (esporopolenina e cutina) para coibir a perda de água pela dissecação; e) estruturas especializadas (estômatos) para a absorção de CO2 da atmosfera e liberação de O2, pelo reação de fotossíntese.

Floras do Devoniano, Carbonífero e Permiano

No final do período Devoniano, com o acelerado processo de diversificação da flora terrestre, ocorre o contínuo aperfeiçoamento dos órgãos encarregados de realizar o transporte de água e solutos (caules), fotossíntese (folhas) e reprodução (esporângios, estróbilos, sementes) e o aparecimento de muitos tipos de plantas vasculares, informalmente chamadas de “pteridófitas” (hoje, monilófitas), tais como os grupos das licófitas (Lycophyta), esfenófitas e filicófitas (samambaias). Surgem então no Devoniano as primeiras grandes florestas tropicais, com árvores gigantes, com aproximadamente 20 metros de altura.

Esses primeiros grupos arbóreos se tornam-se muito abundantes a partir do Devoniano e surgem os ancestrais de das gimnospermas, como por exemplo Archaeopteris (progimnosperma), árvores de até 8 metros de altura. O termo “progimnospermas” refere-se a esse grupo de plantas que externamente se assemelhavam a samambaias embora seus tecidos vasculares já mostrem uma anatomia muito parecida à de gimnospermas modernas. As progimnospermas são também conhecidas na literatura paleobotânica como “samambaias com sementes” e classificadas como Pteridospermales (sendo pter = samambaia; sperma = semente) ou Pteridospermas. Esse importante grupo teve grande importância no Carbonífero e Permiano e se extinguiu na transição P/Tr.

No Carbonífero também surgem florestas tropicais compostas de grandes árvores de licófitas de até 40 m de altura como Lepidodendron e Sigillaria, principalmente nas zonas equatoriais de Pangeia. Táxons afins desses gêneros atingiram tamanhos bem menores em Gondwana devido ao fato que este continente se localizava mais próximo do polo Sul, sob clima mais temperado.

Figura 13.2. A. Lepidodendron. Carbonífero da Inglaterra. Superfície do tronco (caule) com marcas de abscisão de folhas com formato losangular e com distribuição helicoidal. B. Stigmaria. Carbonífero dos EUA. Molde interno de eixo prostrado (rizoide) cm raízes menores também em padrão helicoidal. C. Calamites (Sphenophyta). D. Annularia, Carbonífero, EUA. E. Pecopteris, fragmento de fronde (folha completa), Carbonífero dos EUA. F. Psaronius, seção transversal de trono de samambaia com afinidade com as samambaias-açu atuais. Permiano das bacias do Parnaíba e Paraná (Fontes: Foster & Gifford, 1972; Tidwell, 1975).

Gimnospermas – Glossopteris

As gimnospermas, que dominariam a flora mundial no Mesozoico, têm seu início no Permiano, após o declínio das licófitas, esfenófitas e da extinção das samambaias com sementes. Esses elementos arbóreos possuíam estruturas masculinas e femininas reunidas em cones (estróbilos). Nos cones masculinos são produzidos grãos de pólen que fecundam os óvulos dos estróbilos femininos. Outra característica importante dessas plantas lenhosas são seus anéis anuais de crescimento (lenho secundário), que permite o crescimento com aumento do diâmetro do caule. Uma gimnosperma muito importante para a flora de Gondwana é Glossopteris, primeiramente identificada como impressões de folhas na Índia e depois em outros continentes gondwanicos como América do Sul, Austrália, Antártica e Índia. O próprio nome “Gondwana” foi obtido de uma localidade na Índia, onde foram encontrados os primeiros fósseis dessa árvore. Wegner, o pai da Teoria da Deriva Continental, apontou a ocorrência de Glossopteris em todos os continentes membros de Gondwana como evidência para o mecanismo. Como existiam várias espécies de Glossopteris que se espalhavam por toda Gondwana hoje usamos o termo geral “Flora de Glossopteris”. Essa grande floresta gondwânica com cerca de 20 metros de altura provavelmente perdia suas folhas no outono, possivelmente uma explicação para a grande quantidade de folhas desarticuladas encontradas no registro fóssil.

Síntese da evolução vegetal desde o surgimento das primeiras plantas terrestres

O gráfico apresentado a seguir mostra de forma sintética a evolução das plantas terrestres desde seu surgimento cerca de 420 Ma. Note que as Riniófitas perduram até o Devoniano Médio. Nesse momento aparece o importante grupo das progimnospermas, possivelmente o grupo ancestral das gimnospermas atuais e das samambaias com sementes. O Devoniano é conhecido como o momento de aparecimento das primeiras grandes florestas tropicais da Terra. O Carbonífero é caracterizado pelo predomínio de samambaias com sementes, as licófitas gigantes, as samamabaias (com esporos), as esfenófitas (cavalinhas gigantes). O grupo Cordaites é interpretado por alguns como o possível ancestral das gimnospermas modernas, principalmente as coníferas. Note que alguns grupos mostram um claro declínio durante o Permiano (veja o perfil das Licófitas na Figura 13.3.) enquanto outros se extinguem como, por exemplo, as pterodospermas (samabais com semente). Uma das hipóteses sugeridas tem a ver com o possível empobrecimento do gás carbônico na atmosfera causado pelo aumento considerável das grandes florestas tropicais. Essa queda no CO2, seria então a explicação para a grande glaciação observada em Gondwana no permocarbonífero. Com a grande extinção do final do Permiano, grandes alterações na paisagem de Gondwana ocorrem com a perda da Flora de Glossopteris, que será substituída pela Flora de Dicroidium. Contudo, alguns grupos de plantas terrestres não mostram grandes alterações na sua diversidade como, por exemplo, as samambaias com esporos, as esfenófitas e as coníferas.

Figura 13.3. Gráfico cumulativo de número de espécies nas diversas floras e distribuição geológica dos principais grupos de plantas em floras tropicais e subtropicais de terrenos baixos (planícies de indundação, pântanos, deltas, etc.). Obs.: O Carbonífero pode ser dividido em Mississippiano (M) e Pensilvaniano (P); E, M,L – Early (Inferior), Middle (Médio), Late (Superior), respectivamente,; Paleog. = Paleógeno (Cenozoico, do Paleoceno ao Oligoceno); Neog. = Neogeno (Cenozoico, do Mioceno ao Plioceno).

Observações:

Cordaites é um grupo de gimnospermas primitivas. Alguns autores acreditam que essa ordem continha os ancestrais das coníferas modernas (Florin, 1951), enquanto atualmente acredita-se na possibilidade que Cordaitales e as Coníferas evoluíram do mesmo ancestral.

Copiado integralmente com a autorização dos autores:

Anelli, L.E.; Leme, J.M.; Oliveira, P.E.; Fairchild, T,R. 2020. Paleontologia. Guia de aulas práticas, uma introdução ao estudo dos fósseis. Universidade de São Paulo, Instituto de Geociências, 8a ed., 104p.

*Todos os direitos do textos e figuras são reservados aos autores

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