Vertebrados e os Primeiros Tetrápodes

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Introdução

Os primeiros tetrápodes surgiram no Devoniano, em pântanos e córregos do antigo continente Laurússia (atuais América do Norte, Groelândia e Europa, unidos), que ocupava na época uma posição latitudinal tropical, e que começava a abrigar as primeiras florestas de plantas vasculares primitivas, bem como formas cada vez mais variadas de artrópodes terrestres e outros invertebrados. Nas rochas deste período, entre 370 e 365 Ma atrás, aparecem evidências fósseis corporais seguras – esqueletos bem preservados – dos anfíbios, o grupo basal dos tetrápodes (Classe Batrachomorpha, Ordem Ichthyostegalia), principalmente em rochas do Devoniano superior da Groelândia (Ichthyostega, Acanthostega), mas também da Rússia (Tulerpeton) e Austrália.

Mas foi de rochas pouco anteriores, com 375 milhões de anos, do Devoniano do Canadá, que os paleontólogos retiraram um esqueleto quase completo de Tiktaalik, um peixe sarcopterígio, tetrapodomorfo, que reúne características que fazem dele um grande exemplo de transição evolutiva entre os peixes de nadadeiras lobadas e os tetrápodes. Nadadeiras, escamas e brânquias o ligam aos peixes, enquanto sua cabeça e corpo achatados, olhos no topo da cabeça, e um pescoço móvel, desconectado da cintura pélvica, o aproximam da anatomia dos mais antigos tetrápodes. Embora com costelas robustas e nadadeiras anteriores com ossos que o permitiam elevar e sustentar o corpo acima do substrato, é provável que Tiktaalik nunca deixasse a água. Tiktaalik, representa a anatomia e o tempo de transição dos vertebrados da água para a terra firme.

Figura 9.1. Características anatômicas de Tiktaalik comparadas com o mais antigo tetrápode, Acanthostega, e Eusthenopteron, um peixe sarcopterígio também canadense, de rochas pouco mais antigas com 385 Ma.

Supostas pegadas de anfíbios tetrápodes são descritas do Devoniano inferior da Austrália e, de modo bastante duvidoso, de rochas da Formação Ponta Grossa, do Devoniano médio a superior do Estado do Paraná, Brasil. Neste exercício você analisará uma réplica deste fóssil extraordinário e avaliará as evidências a favor e contra esta hipótese.

Os anfíbios certamente evoluíram a partir dos peixes sarcopterígeos (Figura 9.2) caracterizados por nadadeiras lobadas com forte estrutura óssea, como se pode ver comparando Eusthenopteron e Ichthyostega na Figura 9.2. Além desta característica, diversos membros dos sarcopterígeos eram dotados de pulmões, outra importantíssima feição aproveitada na transição do hábito aquático para hábito terrestre.

Tanto os animais como as plantas enfrentaram os mesmos problemas fisiológicos sérios nesta transição:

  1. suporte físico do corpo fora da água;
  2. desidratação;
  3. reprodução fora da água;
  4. obtenção de alimentos;
  5. locomoção (nos tetrápodes), dentre outras.

Por muitos anos, fósseis devonianos de Eusthenopteron e Ichthyostega serviram de base para a possível explicação da origem dos anfíbios. Peixes com nadadeiras lobadas como Eusthenopteron teriam habitado córregos e rios do interior da Laurússia. Com a crescente aridização da região, muitos dos corpos de água doce secavam periodicamente. Peixes pulmonados capazes de respirar fora da água, se locomoviam desajeitadamente com suas nadadeiras lobadas até outros corpos de água. Pelo caminho, se alimentavam de pequenas plantas vasculares ou mesmo de pequenos invertebrados. Com o tempo, animais com anatomia cada vez mais adaptadas ao meio terrestre, compartilhavam seu tempo entre a terra firme e a água, animais como Ichthyostega, por exemplo.

No entanto, numerosos esqueletos de Acanthostega (Figura 9.1) um tetrápode com dígitos tão antigo quanto Ichthyostega, comprovaram que elenão poderia se sustentar fora da água, o que levou os paleontólogos a entenderem que a evolução dos membros tetrápodes havia ocorrido em animais inteiramente aquáticos. A arquitetura do esqueleto de Acanthostega sugere uma paleoecologia distinta da de Ichthyostega. Acanthostega parece ter se adaptado à vida em córregos e lagos repletos de troncos. Provavelmente, caçava suas presas escondido entre a vegetação aquática à sua volta, abocanhando peixes que se aventurassem perto demais da sua toca. Em um cenário como este, é fácil imaginar a vantagem que nadadeiras transformadas em membros seriam usadas como apoio e para superar os obstáculos em seu habitat. Afinal, qual foi a pressão fundamental que levou à tetrapodia? A necessidade de passar por obstáculos dentro da água ou de procurar novos corpos aquosos durante a seca?

O final do período Devoniano foi o tempo da segunda grande revolução agronômica, desta vez ocorrida em terra firme. O crescimento das plantas vasculares deu origem às primeiras florestas, e estas modificaram radicalmente a superfície dos continentes, e também as águas. Com o aparecimento das sementes, as plantas adentraram o interior dos continentes acelerando o intemperismo das rochas, espessando o solo, agora fertilizado com imensas quantidades de matéria orgânica. Sistemas fluviais se estabeleceram sobre os continentes, atraindo a vegetação e estimulando o aparecimento de diversas linhagens de invertebrados terrestres. A vida fora das águas tornou-se mais atraente no final do período Devoniano.

Figura 9.2. a) Tulerpeton (McAlester, 1969); b) Eusthenopteron, peixe sarcopterígeo; c) Acanthostega (Benton, 1997); d) Ichthyostega.

Figura 9.3. Quadro cronoestratigráfico da Bacia do Paraná (Zalan, 1989).

Figura 9.4. a) Desenho esquemático do icnofóssil Notopus petri (Rocek e Rage, 1994); b) Interpretação do fóssil como impressão de pegada de tetrápode (Leonardi, 1983).

Figura 9.5. Estrela-do-mar da Formação Ponta Grossa.

Figura 9.6. Membros anteriores de tetrápodes do Devoniano superior. Repare que o número dos dígitos nos dois exemplos é maior do que cinco (Benton, 1997).

Figura 9.7. Acanthostega. gunnari é considerado o mais antigo tetrápode, pois possui, dentre outras características, dígitos nos quatro membros, o estribo e a janela oval no ouvido médio. Vários esqueletos já foram encontrados em rochas do período Devoniano (Fameniano) na Groelândia, com idade de 365 milhões de anos.

Copiado integralmente com a autorização dos autores:

Anelli, L.E.; Leme, J.M.; Oliveira, P.E.; Fairchild, T,R. 2020. Paleontologia. Guia de aulas práticas, uma introdução ao estudo dos fósseis. Universidade de São Paulo, Instituto de Geociências, 8a ed., 104p.

*Todos os direitos do textos e figuras são reservados aos autores

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